Ninfomania

30-10-2014
Tânia Pereirinha - Revista SÁBADO

NINFOMANIA - TRÊS MULHERES CONFESSAM COMPORTAMENTOS COMPULSIVOS

Afastam-se dos amigos e da família, traemos namorados, envolvem-se comdesconhecidos, vivempara o próximo orgasmo – depois, como continuama sentir-se vazias, fazem tudo outra vez. Aninfomania é uma doença. Tem tratamento. Cura, não.

O combinado era falar com a SÁBADO a partir da cidade alentejana onde mora, ao telefone, numa sexta-feira por volta das 17h, depois do trabalho. Cristina (nome fictício), tem 37 anos, um emprego como formadora e dois filhos adolescentes. Aceita partilhar alguns dos episódios que lhe têm marcado avida, sexual e não só,mas não comos miúdos
por perto. Pede uma hora, para chegar a casa e “tratar das coisas”.

Pelas 18h, a entrevista começa. Cristina explica como é capaz de conseguir estar uns dois meses sozinha (leia-se, sem sexo), mas como não concebe uma semana sem orgasmos: “Quando estou com dor de cabeçamasturbo-me, quando estou irritada masturbo-me, quando os meus filhos se queixam de que estou sem paciência, masturbo-me.”

Antes de dar entrevistas também o faz –ainda que indirectamente, como se percebe logo a seguir, ao dar a resposta à pergunta que se impõe: “Quantos orgasmos já tive esta semana? Os meus filhos chegaram no domingo, depois de 18
dias de férias com o pai, desde então tudo o que fiz foi trabalhar ou ter compromissos sociais, ainda ontem dei um jantar em casa com amigos, quando acabou só queria dormir. Desde segunda que não tive um único orgasmo mas hoje passei o dia a desejar que chegassem as 17h, para poder sair, tomar um banho, deitar-me na cama e relaxar. Foi o que fiz, sinto-me outra pessoa, orgulho-me de não precisar de ninguém para me sentir melhor, por ter este poder extraordinário na ponta dos dedos.”

Está divorciada há 10 anos, desde então mora sozinha com os filhos, hoje com 14 e 16 anos. Activa sexualmente desde os 15 anos, garante que só não traiu um homem: o marido. “Nunca tive problemas em fazer sexo. A primeira vez foi com dia e hora combinada, a partir daí descobri que gostava e as coisas foram acontecendo. Estive casada três anos e durante dois anos e meio, enquanto estivemos bem, fizemos sexo todos os dias. Foi a única altura em que fui fiel, de resto
nunca consegui manter uma pessoa por mais de dois anos e, mesmo assim, ia estando com outras – e muitas sabiam que não eram as únicas”, confessa.

“Isto sou eu!”

Nin-fo-ma-nia. “Desejo sexual muito intenso na mulher” é o que aparece no dicionário.Nas últimas edições da bíblia de psicólogos e psiquiatras, o DSM(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a terminologia já nem
aparece – oficialmente é como se não existissem problemas de adição sexual, muito menos só no feminino. Apenas na Classificação Internacional de Doenças (CID) o problema aparece definido como tal, e mesmo assim não sob esta
designação. Está na secção F52.7: “Apetite Sexual Excessivo.” Porém, os especialistas contactados pela SÁBADO confirmam: a ninfomania existe e é uma doença.

Viu o filme em dois tomos do dinamarquês Lars von Trier, com Charlotte Gainsbourg e título ainda à antiga– ymphomaniac? Cristina não só viu como se reviu: “Fiquei de boca aberta: ‘Isto sou eu!’ A única diferença é a forma como faço as coisas. Ela vai na rua e pede a um homem para a masturbar. Eu nunca cheguei a esse nível de descontrolo.”

Para Cristina, tal como para Joe, a personagem de Charlotte Gainsbourg, o sexo é uma necessidade – que não tem nada a ver com amor ou emoção. “Preciso de sexo para me sentir melhor, uso as pessoas nesse sentido. Não respondo a mensagens, a não ser para combinar encontros, crio imensas barreiras à minha volta. Depois do acto não quero beijinhos nem carinho, quando estou em casa, levanto-me, vou à casa de banho e aviso logo: quando voltar a cama tem de estar
fria. Tomar banho com alguém, antes ou depois?! Só de imaginar dá me náuseas.”

De acordo com Vasco Catarino Soares, psicoterapeuta e director da clínica de psicologia Insight, o quadro de Cristina é compatível com o de ninfomania ou comportamento sexual aditivo. “Há um desejo de realizar o acto sexual até à obtenção de prazer, o que comporta sempre uma elevada frequência. Este elevado número de actos sexuais ocorre porque o prazer não é alcançado satisfatoriamente. Pode inclusive dar-se o caso de a pessoa chegar ao orgasmo e não se sentir plenamente satisfeita. E daí necessitar de mais relações sexuais, ou de relações com outros parceiros”, explica.

Cristina, que se descreve como extremamente sexual – “Está-me à flor da pele ser uma mulher desejável” –, garante que as relações que mantém com frequência, com homens que conhece quando sai à noite ou com um grupo restrito de amigos coloridos, nunca chegam nem satisfazem. “Sou capaz de ter orgasmos múltiplos incontroláveis, são uns atrás dos outros, tenho noção de que, se não paro, desmaio. É por isso que nunca me entrego completamente. E não só: sei que, se me desse nem que a 90% apenas a um homem que acabei de conhecer, ele fugia para nunca mais aparecer. Nenhum
homem aguenta uma mulher com um apetite voraz pelo sexo como eu tenho.”


Compulsividade sexual

Diagnosticada com doença bipolar desde os 13 anos e medicada diariamente com lítio desde os 25, diz que tem consciência de que a compulsividade sexual de que sofre – calcula que terá tido cerca de 300 parceiros – está relacionada com o distúrbio. A sexóloga Vânia Beliz, co-autorade um estudo sobre estratégias de vinculação e adição sexual, confirma à SÁBADO a ligação: “Clinicamente não falamos em ninfomania, usamos o termo compulsividade sexual, que se adequa tanto a homens como a mulheres e que muitas vezes está ligada a transtornos, nomeadamente obsessivo-compulsivos, como o bipolar, ou também a psicose. Para nós é muito difícil identificar a compulsividade. A partir do momento em que é prejudicial para a pessoa e para os outros, é patológico. Alguém que necessite constantemente de sexo ou que tem de procurar relações desse género para se sentir preenchido e validado tem um problema.”

Por ter consciência disso, Raquel, nome fictício, procurou ajuda. Detalhe: só o fez aos 40 anos – actualmente tem 41 –, e garante que recorria ao sexo de forma doentia desde os 14 ou 15. “No início, o que interessava era a conquista. A insatisfação era muita, portanto procurava outras pessoas, e outras, e outras, a busca de prazer era contínua. Tive relacionamentos estáveis, mas era sempre infiel. Ter sexo com muitas pessoas diferentes era uma maneira de não ter um compromisso e de satisfazer o ego. Uma sensação de poder.”

A trabalhar primeiro como psicóloga, depois como explicadora, durante anos procurou parceiros em salas de chat, marcou encontros sexuais com desconhecidos, manteve ligações com “amigos” especiais, engatou à noite. Aproveitava todos os minutos livres para pensar em ou para fazer sexo:

“Para tapar alguma coisa, para me acalmar. Era como se depois do sexo tudo fizesse sentido.” Apesar de garantir que nunca descurou a vida profissional, admite que deixou que a compulsão lhe afectasse a familiar e social, outro sintoma de “comportamento sexual patológico”, de acordo com Vasco Catarino Soares. “Afastei-me dos amigos, evitava saídas e jantares, porque, no tempo em que poderia estar com eles, passei a procurar outras coisas, e porque não queria que percebessem a vida que levava. Não me sentia bem com a minha família nem com os meus amigos normais. Substituí a momentos com eles por sexo.” Raquel viveu os clichés todos: escondeu-se na casa de banho, no casamento de uma amiga, para ter relações com um convidado do noivo; teve sexo a três; saiu várias vezes da mesma festa para ter relações
com várias pessoas diferentes (três foi o seu máximo); encontrou-se em matas, praias e motéis com pessoas que tinha conhecido na Internet. “O sexo cria adição porque nos dá prazer e satisfação, mas sobretudo por causa da conquista.
Ter prazer é fácil, não é preciso ter 500 companheiros – não foram 500, atenção, nunca fiz contas, não sei com quantas pessoas já estive.” Nem sempre correu bem. Pelo menos uma vez, foi vítima de violência: “Na altura tinha namorado,
fui para a discoteca com ele, mas entretanto encontrei outra pessoa, que já conhecia de vista. Saímos de lá juntos, fomos para o carro dele. Atou-me os braços e foi violento, bateu-me. Podia ter sido aliciante, mas não, foi mau. Por incrível que
pareça, a seguir fui com ele para outra discoteca. E telefonei-lhe dias depois, tivemos sexo outras vezes. Quando senti que estava a dominar a situação, acabei.” Sentada no jardim de uma das casas de VillaRamadas, o centro de tratamento especializado em doenças da adição, na zona de Alcobaça, onde se internou voluntariamente, diz que está diferente.
São os últimos dias de uma cura de seis meses: “Agora tenho consciência do meu padrão e percebo que esta compulsão
serve para colmatar o sentimento de vazio que tenho em mim. Também sei que só posso preencher este vazio com coisas em que me reveja.

Tenho uma adição, sou uma pessoa que facilmente fica obcecada com coisas.”

Bárbara (nome fictício) está mais avançada na terapia. “Passou oito meses internada, saiu há um ano. Os primeiros dois anos são sempre fulcrais para que percebam que as suas vidas vão ser sempre diferentes, mas não existe uma cura, é um trabalho para a vida. No caso dela, houve um trauma, que foi o que precipitou o problema, não foi a causa”, explica Rita Morais, a psicóloga clínica que acompanhou o caso.

Vítima de abusos sexuais por parte do próprio pai a partir dos 7 anos, Bárbara, agora com 21, foi internada com uma depressão – “Os pedidos de tratamento por adição ao sexo são raríssimos, sobretudo em mulheres”, diz a especialista.
Rapidamente percebeu que o problema original era outro: “Nunca aguentei mais de três semanas sozinha, tinha um namorado mas não me contentava, arranjava outros. Começou quando tinha 14, apercebi-me de que era uma boa fuga para esquecer. Eles gostavam de mim, era mais fácil.”

De acordo com Vasco Catarino Soares, o raciocínio é comum a quem sofre do transtorno: “A procura de se sentir amado: é este o princípio que leva ao comportamento sexual excessivo. Trata-se de uma compulsão (um comportamento impulsivo para compensar um vazio emocional). Ao praticar sexo, estas pessoas procuram uma compensação emocional.” Raramente a encontram para lá da duração de um acto sexual. Era o que acontecia com Bárbara, agora a acabar um curso profissional: “Devo ter tido prazer com um ou dois. Tinha uma lista com os nomes, a data, o que fiz e o número de telefone. Parei de escrever em 2011, quando fui morar com um namorado. Tinha uns 50 nomes.”

Nessa altura, aos 18 anos, achava que ia acalmar e ser fiel. Não aconteceu: “O sexo era uma necessidade física. Mentalmente nem sempre corria bem, algumas vezes saía de lá nas nuvens, noutras de rastos. Queria que todos fossem meus.” “Todos” eram efectivamente todos os homens ou rapazes que conhecia ou viria a conhecer. Os colegas da escola (bastava que a adicionassem no Facebook para marcarem um encontro); os do trabalho (numa altura em que fazia limpezas numa zona turística, na margem Sul do Tejo, tinha sexo com um colega nos apartamentos vagos e na lavandaria); as pessoas que conhecia em chats na Internet e a quem enviava fotografias nua; os vizinhos, e até os amigos do namorado. “Estive com um grande amigo dele. Passou uma semana lá em casa, quando ele saía para o trabalho ficávamos sozinhos. Começou como sempre: comigo a provocá-lo, com toques, sorrisos, bocas, conversas. Perguntava-lhes o que gostavam de fazer na cama – eu tinha o poder, bastava falar de sexo.”

Prescrição: 365 dias sem sexo

“A Bárbara tinha uma raiva muito grande em relação ao sexo oposto, por causa do que lhe aconteceu com o pai, mas fazia o mesmo, abusava das pessoas. Passou por um grande processo de auto-análise até compreender e aceitar o que fez, retirar a máscara e começar a sentir o que era verdadeiro”, diz Rita Morais.

Para trás ficaram não só os episódios de sexo fortuito e, garante, sem significado (como a ocasião em que teve relações com o namorado ao mesmo tempo e na mesma divisão que um casal de amigos e ficou frustrada por eles não quererem
trocar de parceiros), como os consumos excessivos de álcool e drogas que tinha passado também a associar ao sexo. Está melhor, apesar de não ter conseguido cumprir os 365 dias livres de sexo que lhe impuseram no fim da terapia
em Villa Ramadas. Mas sabe que nunca se poderá considerar bem. Muito menos curada.

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